Apresentei-me á recepcionista da empresa e disse: Sou Rubem Alves. Tenho uma entrevista marcada... Ela me olhou e perguntou: De onde? Levantei o meu braço em curva e, com o indicador, apontei verticalmente para o cocuruto da minha cabeça e lhe disse: Daqui! Ela ficou espantada, achou que eu fosse louco. Essa pergunta, de onde?, que dizer: De que empresa? E traduzida em linguagem mais clara significa o seguinte: O senhor como indivíduo não existe. Mas o senhor passará a existir para a minha empresa quando disser o nome da empresa em que o senhor se encontra plugado. Acho que nunca passara pela cabeça da recepcionista que houvesse pessoas que não estivessem plugadas a empresas, cuja identidade não dependesse do onde. Essa é a norma, ao telefone. Quando a inocente telefonista ( inocente porque esse procedimento lhes foi ensinado) me faz a pergunta de praxe eu lhes respondo: “De onde? Da rua Frei Antônio de Pádua 1521”. Ela se embaraça. E eu, de maldade, acrescento: “É no bairro Guanabara, Campinas...” Elas não são culpadas. Disseram a elas que fizessem assim. Mas essa simples pergunta revela um horror: vivemos no mundo em que as pessoas deixaram de existir como pessoas. Essa é a tragédia dos aposentados: estão desplugados de empresas. Portanto não existem. (Rubem Alves)
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Um comentário:
Alves, sempre enxergando o óbvio, mas de uma ótica surpreendente. Gosto muito deseus textos...
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