terça-feira, 28 de abril de 2009

Somos todos albergues !



O corpo é um albergue.

Nele moram muitos pensionistas com a mesma cara.

No momento, dois deles que vivem em mim, dividem espaço, lutam e meu dia se divide.

Um é leve, flutua, é cheio de paixão e suspira pelas coisas do alto.
O outro é grave, afunda, afinal, não dá pra flutuar e suspirar, quando é necessário ser um profissional de uma empresa formal e rígida.
O problema é que essa paixão do primeiro, é uma perturbação da tranqüilidade da alma.

Na verdade, gostaria mesmo é de despejar o inquilino tenso, sério e grave. Assim, eu poderia ser 100% dedicado a minha paixão. Seriam um privilégio e felicidade, cessariam as opressões e oposições internas.

Mas, ainda não vejo sinais de que esse meu inquilino irá mudar-se. Então pelo menos por enquanto, tenho que me conformar.

Nietzsche disse: “O preço da felicidade, é ser rico em oposições internas. A gente permanece jovem somente quando a alma não se espreguiça e deseja paz”.

Então, enquanto estão em mim essas oposições, procurarei tirar delas, belos pensamentos e vou convivendo com as guerras que travam nesse albergue.

Vou continuar carregando minha pasta de compromissos profissionais na mão, e o céu inteiro dentro do peito.

Não estou bem, mas sinto-me ótimo !




É muito chato ter que “estar bem” o tempo todo.

Pra maioria das pessoas estar bem, é ter sempre uma voz animada e um rosto otimista e feliz.

Ainda mais pra quem trabalha na área comercial como eu.

Nossos chefes, amigos, familiares, cônjuges, todos cobram isso de nós indireta ou inconscientemente.

Hoje à tarde me dei o direito, de não estar bem, embora me sinta ótimo.

Acho que parte de minha liberdade e individualidade é optar pela solitude.

Não, não estou desanimado com a vida, pelo contrário, estou é agradecido, por tudo o que está acontecendo comigo, não estou triste, estou reflexivo.

Percebi que na correria do dia a dia preciso disso.
Tenho necessidade de me calar. Não triste apenas quieto.

Vez por outra esse sentimento espontaneamente aparece e arrebata minha alma, interfere na rotina, me inspira, enche minha alma de expectativas, aspirações e suspiros, parece até que tenho o céu, a eternidade dentro do peito.

É como diz o sábio Rubem Alves:

“Não haverá borboletas se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses”


O profeta Jeremias diz que é bom para o homem aguardar pelo Senhor em silencio e quietude. (leia por favor Lamentações 3:26 - 29)

O fato é que muitos, cristãos não entenderam o bem que existe na pausa.

Não gostam de parar, não gostam disso porque se param, começam a olhar pra dentro de si, e quando olham não gostam do que vêem, então não param.

Inclusive na igreja, ergue a mão, senta, levanta, diga pro seu irmão, bata palmas bem forte e por aí vai, o que não pode é parar, todos devem “estar bem”.

Em igrejas assim não há lugar pra gemidos, ou choro, ou tristezas, apenas para a performance.

Hoje to quieto, e do meu jeito, to bem.

To esperando pra ver o que Deus fará comigo nesse momento decisivo que estou vivendo.

Faz tempo que parei de me cobrar uma oração muito falada e cheia de argumentações na tentativa inconsciente de convencer Deus de alguma coisa, onde a alma não diz nada.

Prefiro fechar minha boca, para que minha alma nostalgica fale alto aos ouvidos Dele.

Hoje minha oração, é meu coração apertado e contrito, e minha disponibilidade para Ele.

...Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus ...



Ela estava com câncer.

Sabia que iria morrer. Mas não queria morrer. Era muito cedo.

Havia muita coisa a ser vivida. Aí teve um sonho.

Era um jantar, muitos amigos reunidos, comendo. Aí um garçon dirigiu-se a ela e segurou a borda do seu prato, para tirá-lo.

Mas ela não terminara ainda!

A comida estava gostosa. Seu prato estava cheio.

Segurou então o prato para impedir que o garçon o levasse.

Ela queria comer tudo o que estava no seu prato, até o fim.

Houve então um momento imóvel: o garçon, decidido a levar seu prato e ela, decidida a não deixar que ele o fizesse.

Passados alguns segundos desse impasse ela olhou para o garçon, sorriu, largou o prato e disse:

“Pode levá-lo...”

Rubem Alves.